quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

2008, O ANO INDIE

Conteúdo: O Inimigo

Por Hugo Morais

O ano de 2008 tinha tudo para acabar como “O ano do mercado independente”. Toda vez que sentávamos à mesa de um bar sempre surgia o assunto e como referência a produção de discos, festivais, bandas novas, blogs, revistas, sites, coletivos de produção e até possíveis briguinhas no mundo indie. Mas eis que Marcelo Silva, mais conhecido como o ex-marido de Suzana Vieira, morre e tudo muda. Tá certo que tinha o caso de amor do ano entre Mallu e Camelo, mas a morte do ex da atriz esticada veio como a cereja do bolo no apagar das luzes. Merda.

Apesar disso, esse ano deve mesmo ser lembrado pelo Ano Indie. Prova disso é que causou incômodo em muita gente as mudanças durante o ano. E quando isso acontece, algo relevante está sendo feito. Três festivais nos arredores de Natal tiveram mudanças. O Abril ProRock aconteceu em dois dias, foi cansativo, muitas bandas e o atraso de Lobão que desgastou muito o segundo dia. A mudança do local dividiu opiniões. O Chevrolet Hall não agradou a todos. O MADA mudou de data para fugir da chuva e prometeu encerrar um ciclo com a décima edição. O que se viu foi uma chuva que começou com o Cordel do Fogo Encantado (ou amaldiçoado) e transformou-se em pouco tempo em dilúvio. A escalação também deixou a desejar, se trouxe a surpresa do Motosierra, trouxe inexpressivas bandas locais e nacionais. E teve O Rappa, de novo. Para 2009 espera-se uma seleção melhor e outras ações durante o ano para dar força ao festival. Já o Festival DoSol foi o que mais acertou. Manteve a estrutura média do ano anterior com o acréscimo de mais dois espaços para convivência. O público, imprensa e bandas tornaram o local um inferninho bom. Mas a maratona de 26 atrações que começaram a se apresentar ainda a tarde também foi bem cansativa. Poderiam ser três dias ou menos bandas em dois dias. E ainda tiveram apresentações de graça na Casa da Ribeira uma semana depois.

Caldeirão de bandas

Os três festivais são integrantes da ABRAFIN (Associação Brasileira de Festivais Independentes) que foi pivô de uma matéria que movimentou revistas, blogs, sites e listas de discussões gerando opiniões até de quem não está inserido na produção independente. A Associação foi criada para estabelecer uma unidade entre os festivais. Algo grande que pode ser comprovado pelos 33 festivais agendados para 2009 onde as bandas circulam, fazem intercâmbios com as demais, agendam shows pela região e fazem contatos com outros produtores. Quem esclarece de forma clara o que é a associação é Rodrigo Lariú, produtor carioca organizador dos festivais Humaitá Pra Peixe e Evidente, sócio fundador da ABRAFIN e dono do selo Midsummer Madness: “A ABRAFIN é um galvanizador disso tudo. É o tradicional “a união faz a força” colocado em prática. Mas que se diga que a ABRAFIN não representa a totalidade de festivais independentes do Brasil, e talvez nem tenha tal pretensão. Como qualquer associação, participa quem tem algo a dizer, quem tá afim de colaborar”.

Muitas bandas, muitos eventos, muitas cidades, muito dinheiro, muita mídia. Itens essenciais para provocar discussões acaloradas entre os integrantes e principalmente entre os que estão de fora duma tal panelinha. Uma panela que movimentou quase 900 bandas. O levantamento da questão de favorecimento não agradou várias pessoas, principalmente as responsáveis pelo circuito independente: “870 bandas em 2008, esse é o numero de bandas que a ABRAFIN fez circular este ano. Se isso é panelinha, eu não imagino o que seria um caldeirão”, ironiza Pablo Capilé, organizador do Festival Calango e da produtora Cubo.

Via Crucis pela cultura

A ABRAFIN não funciona as escondidas. No site está disponível o estatuto, o calendário para 2009 e outras informações a respeito da associação e dos festivais. Muitos dos envolvidos na associação já estão há mais de uma década dentro da produção independente e passaram anos sem incentivos produzindo, criando espaços, eventos, bandas, para fomentar uma cena que hoje engoliu o mainstream. Talvez isso seja uma das causas da indignação quando surgem boatos, comentários sobre favorecimento ou até questionamentos sobre os patrocínios vindos de empresas como Petrobrás. Dinheiro dito público que torna controversa a questão, porque até o ministro da Cultura Juca Ferreira, que substituiu Gilberto Gil e já foi terrorista dos mais procurados durante a ditadura, acha que tem algo errado. No sentido de que os próprios eventos do governo utilizam esse dinheiro e o patrocínio pela iniciativa privada não é feito de forma direta e sim por isenção fiscal. Jomardo Jomas, organizador do festival MADA tem a mesma visão: “A iniciativa privada tem ocupado um grande espaço no meu ponto de vista, agora quando temos o próprio poder público usufruindo de leis de incentivo para tocar seus próprios projetos culturais, fica difícil cobrar da iniciativa privada entrar sem beneficio algum”. Anderson Foca, sócio fundador da ABRAFIN, organizador do Festival DoSol e dono do Centro Cultural DoSol Rock Bar concorda: “Acho dificil alguém entrar com um montante que sustente um grande festival com dinheiro direto. Isso é inviável hoje”. O próprio ministro questiona os meios de isenção: “A renúncia fiscal é um imposto devido, que o governo permite que não seja pago para ser canalizado na cultura. É um dinheiro público. Aí eu pergunto: se não vai agregar dinheiro das empresas, se é tudo dinheiro público, para que pbrigar o artista a sair pedindo de porta em porta para as empresas, essa via crucis? No momento em que o ministério aprova o projeto já podia liberar para o artista, direto”. O ministro também alerta que muitas empresas querem retorno garantido, logo investem em artistas consagrados, sem dar vez aos novos. O engraçado é que a discussão sobre a ABRAFIN, panelinha e patrocínios ganhou corpo com uma matéria na Rolling Stone Brasil edição 24 onde também está uma matéria com o ministro. Ou seja, na mesma revista há o questionamento e parte da solução: facilitar e democratizar a verba baseada em dados, em fatos.

Não é fácil ser contemplado por um edital, existe uma série de requisitos a serem preenchidos. E nesse sentido o Ministério da Cultura tem feito uma distribuição da verba de forma heterogênea. Coisa que muitas vezes no âmbito local não acontece. Há privilégios pelos artistas ditos “da terra”, o que causa revolta no restante da classe artística. Panelinha? Panela ou não, os festivais em 2008 trouxeram atrações internacionais aos montes, outra boa novidade para o público. Se antes tinha uma banda gringa, em festivais como o Goiânia Noise tocaram nove bandas em 2008. As bandas indies estrangeiras também tem a cada dia mais espaço no país.

Coletivos, brigas e affair

Todo esse circuito de festivais independentes tem crescido a cada dia, junto com eles aparecem cada vez mais grupos aptos a ajudar as cenas a crescerem. Qualquer cidade que tenha um pólo musical, tem grupos produzindo para facilitar o produto final: a arte e sua divulgação. Em Recife tem o LUMO, em Natal vários grupos como NOIZE, Lo Que Sea, Coletivo Records, Apartamento 101, Xubba Musik, Lado R e outros. Em Cuiabá o Cubo e nas demais cidades não é diferente. Cada um na sua praia. Todos eles teriam mais trabalho se não fosse a tal internet com seus blogs, flogs, comunidades, sites, e-zines. Essas mesmas facilidades também criam discussões que muitas vezes produzem algo de valor: turnês, discos, listas de discussão. Mas as vezes produzem factóides que poderiam passar despercebidos. É o caso do rompimento entre as bandas Los Porongas e Macaco Bong. Na passagem por Natal, uma semana antes do Festival DoSol, Ynaiã Benthroldo esclareceu que o que havia não era amizade, e sim uma parceria. E ainda disse que durante o festival Varadouro os integrantes se falaram normalmente. Quem levantou a bola como uma possível fogueira de vaidades, guerra de egos, de poder, foi Humberto Finatti. Começou com um texto repercutindo essa possível briga, passou por uma entrevista com Pablo Capilé , e continuou com uma entrevista com Jorge Anzol, baterista do Los Porongas. Resta saber se não é ingenuidade demais achar que com tantas bandas, tantos festivais, tantas pessoas diferentes, não é normal haver cisões, discussões, brigas, até porrada. O que não pode é dizer que um caso isolado vai detonar uma crise geral. Que é o que dá a entender. De toda forma a tentativa de pôr fogo ao circo não deu certo, a lona não incendiou e o assunto já esfriou.

E como o ano não poderia acabar sem polêmica, eis que Mallu Magalhães com 16 anos começa a namorar Marcelo Camelo do alto de seus trinta verões. A diferença de idade provocou uma discussão que foi parar até em programas de TV aberta. Lá no início do rock Jerry Lee Lewis foi execrado por se casar com sua prima de 13 (!) anos. E Chuck Berry foi preso acusado de usar meninas menores em sua casa noturna. Ou seja, casos com menores não são novidade nesse e nem em qualquer ramo. O problema é conversar com o psicólogo.

Diante de acertos, erros e questionamentos válidos que só ajuda a tudo melhorar, apontar o que faz o sucesso dos festivais parece ser fácil e pode ser resumido no que acha Lariú: “Uma produção bem feita, uma programação caprichada e o respeito com público” e Foca: “proposta, boa escalação e respeito com o público”.

Foto: Débora Ramos

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