Conteúdo: O Inimigo
Tem alguma coisa errada aqui. São pouco mais de oito horas, mas o DoSol Rock Bar está lotado e enfumaçado o chão repleto de latas de cerveja amassadas e pontas de cigarro, cenário mais afeito a altas madrugadas. A maior parte das de 300 pessoas que lotam o lugar estão com os globos oculares grudados no palco, imitando instrumentos imaginários, alguns de queixo caído, outros de olhos fechados, imersos em algum tipo de arena particular. Ao fim da execução de uma música, a banda é ovacionada como vi poucas serem naquele mesmo palco em ocasiões anteriores. Detalhe: a banda é o Macaco Bong, um trio instrumental cujas canções facilmente ultrapassam os dez minutos. Cacete.
Saindo do bar e daquele que já era o nono show da primeira noite do Festival DoSol 2008, tomei uma lufada de ar e parei um pouco para pensar onde estávamos há um ano atrás. Uma panorâmica rápida no corredor polonês em que havia se transformado o trecho da Rua Chile entre o bar e o Armazém Hall, deixava entrever uma cena ao mesmo tempo dantesca e estimulante. Gente de todo tipo, bebendo, fumando, batendo cabeça, conversando, vomitando, se reproduzindo, rindo, filmando, discutindo, especulando sobre o show das Donnas, e se acotovelando em direção ao outro local de show, onde a próxima banda já maltratava os próximos acordes. E aquilo ainda estava longe de ser o ápice da maratona, que começou no sábado (02/11) por volta das 16h e se estendeu até as primeiras horas do domingo. O comparecimento e a resposta quase agressivos do público, mais a qualidade inegável dos shows vistos ali (devidamente registrados em vídeo por uma equipe que suava correndo de um lado pra outro) e o upgrade considerável na estrutura de luz e som dos palcos colocam a edição de 2008 do DoSol como a melhor do festival até agora.
Desde cedo tinha gente para ver o quarteto de bandas locais que abriu a noite, pautados pela diversidade de estilos. Abrindo com o punk rock de Rock Rovers e Fewell, passando pelo lirismo britânico do Lunares, a peteca não caiu nem com o regionalismo psicodélico do Rosa de Pedra. Supostamente o estranho no ninho na programação, o grupo fez um show mais pesado que o habitual, dedicados aos roqueiros com carinho, e embasbacou muita gente.
A partir daí foi se formando a sensação de que o público, diverso, mais ainda assim predominantemente roqueiro, parecia mais receptivo e mais disposto a ouvir sonoridades novas. A impressão continuou alguns minutos e poucos metros depois, na comoção provocada pelos paraibanos do Star 61, com direito a strip do vocalista Fabiano auxiliado por dois membros da platéia e quebra do protocolo com uma versão de “I Wanna Be Your Dog” além do tempo regulamentar, e se confirmou com a catarse do combo instrumental Camarones Orquestra Guitarrística, abrindo cabeças à palhetadas triplas. Nem alguns problemas momentâneos no som que quase atrapalharam a gravação da banda no DVD de registro do festival comprometeram o show, dividido entre músicas próprias e versões de temas de desenhos animados.
Depois da apresentação irregular do BarbieKill e do prata da casa e cada vez maior The Sinks (com uma ajudinha de Chucky Hipólito, dos Forgotten Boys, em duas músicas), o Macaco Bong fundamentou as bases do que pode vir se tornar uma nova religião de proporções catastróficas. Apesar de terem tocado no mesmo palco há apenas uma semana, o trio de Cuiabá hipnotizou – na falta de um termo mais contundente – os incautos que lambiam os riffs da fender strato surrada de Bruno Kayapy. “Trilha sonora para o fim do mundo”, como bem definiu um colega de imprensa que prefere não ser identificado.
E se o mundo tem que acabar que se ache um lugar na programação das rádios apocalípticas para o MQN, a melhor banda de metal setentista que o Brasil nunca teve. Sob os comandados do rotundo Fabrício Nobre, os goianos fizeram seu melhor show em terras potiguares, também tocando uma música além do tempo planejado e inaugurando uma seqüência de bandas pesadas que incluía os stoners pernambucanos do AMP, o goianos do Black Drawing Chalks e os quase pop-stars do Forgotten Boys.
Sempre melhores no palco do que em disco, os paulistas já contam com uma grande base de fãs por essas bandas (letras cantadas a plenos pulmões evidenciam isso em qualquer canto), que trataram de garantir que as normas fossem quebradas mais uma vez, forçando um bis com uma cover de “Beat On the Brat”.
Por essas alturas, tudo era expectativa do show do The Donnas. Pior para o Black Drawing Chalks, que fez um show memorável, cheio de faixas novas e do excelente disco de estréia Big Deal, para um DoSol quase vazio, uma vez que boa parte do público já tratava de marcar posição no show das californianas.
E no Armazém Hall, mesmo com o balcão liberado, ainda havia quem se acotovelasse para chegar perto do palco. Chegando ao palco com jogo ganho, as meninas do The Donnas provocaram reações extremas, quase perturbadoras. Uma menina chorava o tempo todo (de emoção, creio eu), caras jogavam camisas e outras coisas no palco, e alguns ensaiavam coreografias bizarras, com palminhas e quebra de quadris. Jesus.
Representando todos os clichês saudáveis do rock, era visível a satisfação das meninas por tocar no Brasil e em Natal. Falante e comunicativa, a vocalista Brett Anderson tratou de conduzir com segurança o show, até o final redentor com “Take it Off”, maior hit das Donnas. Enxugadas as lágrimas, vamos embora. Os garotos, garotas e derivados dormem felizes depois dessa.
Texto: Alexis Peixoto
Fotos: Débora Ramos
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